segunda-feira, 1 de junho de 2015
Pátria educadora?
Em entrevista à Revista InfoMoney, o senador Cristovam Buarque
(PDT-DF) critica as políticas de educação do PT, explica por que votou
em Aécio e cogita uma "nova crise" que pode atingir as ações do setor
de ensino na Bovespa
Por Leonardo Pires Uller e Thiago Salomão
Quando o assunto é educação, o engenheiro pernambucano Cristovam
Buarque, de 70 anos, é quase uma unanimidade. Ex-reitor da
Universidade de Brasília (1985-1989), ex-governador do Distrito
Federal (1995-1998), ex-ministro da Educação (governo Lula), criador
do "Bolsa-Escola" (um subsídio, considerado inovador na época de sua
criação, aos pais que mantiverem os filhos matriculados) e senador
(PDT-DF), Buarque sempre teve como principal bandeira algo desprezado
pelos demais políticos, o ensino básico, que demora a apresentar
resultados e não traz votos diretos, já que crianças não têm direito a
escolher seus representantes nas eleições. Em entrevista à Revista
InfoMoney, Buarque atribui à "genialidade de Lula e do PT" a
descoberta de que investir no ensino superior rende muito mais votos
do que acabar com o analfabetismo e confessa que adoraria concorrer
novamente à presidência, embora ele mesmo considere remota essa
possibilidade - em 2006, teve apenas 2,5 milhões de votos. Durante a
conversa, o ex-petista também afirmou que o PT perdeu "seu vigor
transformador", explicou o voto em Aécio Neves na última eleição,
sinalizou o que sua aliada Marina Silva pretende fazer daqui em diante
e também avaliou as recentes desvalorizações das empresas do setor de
educação na Bovespa. Leia a seguir os principais trechos:
Revista InfoMoney O senhor deixou o PT há uma década. O que mudou
dentro do partido de lá pra cá? O PT perdeu sua identidade?
Cristovam Buarque O PT perdeu o vigor transformador que tinha como
partido de esquerda. Se perdeu o vigor transformador, perdeu a
identidade. Além disso, perdeu também a identidade do ponto de vista
do compromisso ético. Antes o PT prometia que ia acabar com a
corrupção, mas hoje ele diz apenas que os outros partidos também são
corruptos. O PT antes era um partido honesto.
IM Como o sr. acha que o partido poderia contornar o problema?
CB Eu não acredito que o PT vá recuperar sua identidade dentro dos
salões dos palácios. Esse vício com as benesses quebra a possibilidade
de dar um salto. O Lula tem dito que o PT precisa mudar. A Marta
[Suplicy] disse que o PT precisa mudar. O que eles não disseram ainda
é que essa mudança exige um tempo na oposição. Aquela frase da Marta,
que disse que "ou o PT muda ou acaba", eu complementaria dizendo que
"não muda ficando no governo". É preciso retomar o sonho. E não digo
apenas do PT, digo também do partido ao qual estou filiado, o PDT, que
está acostumado a sempre ter um ministério, e do PCdoB. São partidos
que tinham mensagens progressistas e que precisam sair do governo para
recuperarem suas identidades.
IM Nesse cenário de perda de identidade de partidos de esquerda, como
o sr. avalia a atuação do PSDB e do Aécio Neves na última eleição?
CB Eu votei no Aécio Neves. Não porque ele tem a cara do que eu desejo
como estadista e que mudaria o Brasil. Podia até ser, não é
impossível. Mas eu votei no Aécio por três razões: primeiro porque
mudaria os quadros dirigentes, os que estão aí estão viciados após 12
anos; segundo porque ele teria mais condições de enfrentar a crise
econômica, até porque ele não seria responsabilizado por ela. A Dilma
vai ter mais dificuldades. E terceiro porque ao colocar PDT, PCdoB e
PT na oposição ele estaria fazendo um favor à retomada dos sonhos na
política.
IM O sr. é um dos grandes aliados de Marina Silva. A Rede vai sair do
papel? O sr. pode entrar no partido dela quando isso acontecer?
CB Primeiramente eu não tenho plano de ir para a Rede. Sair de um
partido é uma coisa muito dolorosa. Eu não estou nem um pouco
satisfeito com o partido em que estou, mas não penso em sair para
outros. Se de repente ficar insuportável, acho que vou terminar saindo
da política, já que no Brasil não se pode sair candidato sem partido,
coisa que eu defendo. Sobre minha relação com a Marina Silva, ela é
mais de respeito e amizade do que de correligionária. No último Natal,
fui visitá-la e conversamos muito, mas em nenhum momento se falou em
mudança de partido. Desejo muito que o partido dela seja criado. Se
tudo der certo, acredito que ela saia candidata de novo em 2018, ainda
que não tenha ouvido isso dela. E não vejo a Rede como alternativa de
mudança. Para mim, a alternativa hoje é a unidade transpartidária das
pessoas que têm uma proposta em comum para o novo Brasil.
IM O que o sr. achou das mudanças promovidas pelo governo federal no
Fies (programa do governo de financiamento para o ensino superior),
que contribuem para a melhoria das contas públicas, mas que tanto
estrago causaram às empresas de educação na Bovespa?
CB Eu me preocupo muito com as contas públicas. Há anos tenho alertado
que o governo perdeu o controle sobre as despesas. Sou contra essa
redução de gastos do programa de maneira linear, como se tudo pudesse
ser cortado igualmente. Não fiz as contas ainda, mas o impacto das
medidas do Fies parece insignificante do ponto de vista das contas
públicas e devastador do ponto de vista da rentabilidade das empresas
educacionais.
IM O sr. não acha que pode ter havido excesso de euforia dos
investidores em relação às empresas de educação da Bovespa?
CB Foi excesso de euforia, fruto de especulação. Quando a gente
analisa o potencial da TIR (taxa interna de retorno) dessas
universidades, vê que não justificava a valorização na Bolsa. A
valorização foi maior do que a expectativa de rentabilidade. Era
esperado que um dia haveria queda nas ações, salvo se a gente fizesse
o que qualquer negócio deve fazer para ter rentabilidade: aumentar a
demanda sobre o produto, que no caso é o ensino superior. E aumentar a
demanda sobre esse produto esbarra hoje na educação de base
deficiente, tanto na quantidade, já que apenas 40% dos jovens terminam
o ensino médio, quanto na qualidade, já que metade dos que terminam o
ensino médio não têm a menor possibilidade de entrar numa universidade
e fazer um curso.
IM A crise do setor de educação vai além do Fies?
CB A primeira crise é essa provocada pelo governo com o Fies. A
segunda crise virá com o esgotamento da demanda, quando não tiver mais
aluno para entrar na universidade. Já estamos perto do ponto em que
quase todo mundo que conclui o ensino médio e tem condições de ir para
universidade faz isso. A demanda está inflada porque muitos jovens que
concluíram o ensino médio há alguns anos estão ingressando agora no
ensino superior. Mas quando esse estoque for atendido, as universidade
vão sentir que vão começar a perder. Como é a necessidade que faz a
consciência, espero que o próprio setor de educação comece a cobrar
melhorias no ensino médio e na educação básica.
IM Qual solução o sr. adotaria para resolver a deficiência da educação básica?
CB Minha proposta é que, se o Brasil quer ser comparado com Finlândia,
Coreia do Sul e grandes países, temos que criar um novo sistema
educacional de base enquanto o atual vai sendo esvaziado ao longo do
tempo. Minha proposta é implantar esse novo sistema por cidade. A
ideia é pagar muito bem o professor, mas tem que ter um regime de
trabalho diferenciado. Tem que acabar com a estabilidade plena do
professor e passar a avaliá-lo. É preciso vincular a permanência do
professor ao resultado dele. É preciso copiar o modelo das escolas
públicas federais, que são as que possuem as melhores médias no Ideb
[Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] e no Enem [Exame
Nacional do Ensino Médio]. Essas escolas são muito melhores que as
estaduais e municipais e ganham inclusive da média das particulares. A
saída seria espalhar essas escolas por cidade, construir prédios
novos, mandar para lá professores novos, com qualificação nova e
exigências de carreira diferentes. Essa é a proposta que venho
fazendo. Se você quer saber como será o futuro de um país, basta olhar
para suas escolas no presente.
IM O sr. já apresentou suas propostas à presidente Dilma ou ao atual
ministro da Educação, Cid Gomes?
CB A presidenta Dilma não conversa. Eu tive apenas um encontro com ela
nesses anos todos. Ela ofereceu um almoço para os senadores do PDT,
PCdoB e PSB. Éramos uns dez no encontro. E antes do almoço, naquela
hora que a gente fica ali tomando um refresco, um uísque, ela falou
que estava impressionada com o desempenho das escolas militares em uma
olimpíada de matemática. Aí disse para ela: "está vendo, presidente, é
isso que a senhora tem que fazer, mais escolas federais como essas".
Aí mudou-se de assunto. Cheguei a escrever uma carta a ela em 2011,
apresentando a proposta e mostrando quanto custaria. Nunca tive uma
resposta. Com o Cid eu não estive ainda, mas já pedi uma audiência a
ele, até para cumprimentá-lo. O assunto pode aparecer.
IM Por que o governo não demonstra com o ensino básico o mesmo
interesse que teve em impulsionar o ensino superior?
CB Porque o PT e o Lula com a sua genialidade perceberam que o que dá
voto é investir no ensino superior. Erradicar o analfabetismo não dá
voto e pode até tirar se o cara passar a ler muito [risos]. Por isso
que depois de 12 anos de governo do PT o analfabetismo não caiu quase
nada. Teve ano em que o número [de analfabetos] subiu 200 mil em
relação ao ano anterior. Então não vejo sensibilidade do governo
federal para mudar a educação de base. Sobre a educação superior,
temos que reconhecer que aumentou o número de alunos e que aumentou o
desejo de entrar nas universidades, algo que há alguns anos não
existia no Brasil. Isso vem graças aos governos de FHC, Lula e Dilma,
que foram bons nesse ponto. A qualidade é que não está boa, mas pelo
menos criou o clima de que universidade é uma coisa possível.
IM No Distrito Federal, seu reduto político, foi eleito para
governador seu aliado Rodrigo Rollemberg, do PSB. Essas mudanças que o
senhor propõe para a educação não poderiam ser feitas no governo do
DF?
CB Sem dúvida alguma poderia, mas até aqui eu não estou vendo no
Rodrigo Rollemberg a vontade para fazer isso. Quando chegou a hora de
ter essa conversa, que era no momento da escolha do secretário de
Educação do DF, eu não fui ouvido.
IM E o setor privado, não pode ajudar a melhorar a educação de base?
CB Eu tenho tentado passar para as empresas de ensino superior a ideia
de que seria bom para a rentabilidade delas virarem "lobistas" ou
"advogadas" da educação de base. Mas é difícil por uma coisa que a
gente já falou aqui: o imediatismo de quem está na Bolsa.
IM O sr. gostaria de sair candidato à presidência novamente?
CB Eu aceitaria, gostaria e estou preparado para sair de novo. Mas não
está na minha cabeça porque eu acho que é uma hipótese muito remota.
Não acho que o PDT queira, e, como já disse, não penso em mudar de
partido. Eu só poderia ser candidato se o PDT quisesse.
Assinar:
Postagens (Atom)