João Pessoa, 24 de Maio de 2013
Exma. Sra. Ana Raquel Brito de Lira Beltrão;
Gostaria de parabenizar a Sra. Promotora e o Ministério Público
Estadual pelo Projeto “MP Pela Educação”. Faço votos que na próxima
reavaliação do Planejamento Estratégico do MPPB, o Projeto “MP Pela
Educação” continue e seja ampliado. Acompanho à distância as ações do
MPPB em Defesa do Direito à Educação. Desejo que em algum momento, no
futuro, o MPPB seja devidamente reconhecidos por suas ações.
Como sabemos em recente pesquisa encomendada à consultoria britânica
Economist Intelligence Unit (EIU), pela Pearson, empresa que fabrica
sistemas de aprendizado e vende seus produtos a vários países, o
Brasil ficou em penúltimo lugar em um ranking global de educação que
comparou 40 países levando em conta notas de testes e qualidade de
professores, dentre outros fatores. Isso coloca a educação brasileira
como um dos piores sistemas educacionais do mundo.
Maiores informações sobre a pesquisa pode ser vista na matéria
jornalística “Brasil fica em penúltimo lugar em ranking global de
qualidade de educação”, divulgada em 27 de Novembro de 2012 no
endereço eletrônico
http://www.bbc.co.uk/
Existem várias razões para o Brasil se encontrar nessa situação, mas
como a própria pesquisa (citada) aponta nos falta uma verdadeira
“cultura” nacional de aprendizado, que valorize professores, escolas e
a educação como um todo. E o que faz com que não tenhamos essa cultura
pró-educação?
Depois de 06 (seis) anos como Professor Efetivo da Rede Estadual de
Ensino penso que isso esteja profundamente vinculado com a nossa
altíssima concentração de renda, ou seja, com o nosso modelo
econômico.
No ano de 2012, um grupo da UFPB veio a minha escola, a EEEFM Olivina
Olívia Carneiro da Cunha, fazer um censo sobre o perfil
sócio-econômico de todo o nosso alunado. O grupo da UFPB verificou que
a maior parte dos pais dos alunos do Olivina Olívia tinham apenas o
ensino fundamental completo e/ou incompleto. Também quase todos eram
de famílias de baixíssima renda. O Olivina Olívia se encontra no
Centro Urbanístico Educacional, no Centro de João Pessoa. Se o censo
tivesse sido feito em uma escola de periferia os resultados
provavelmente teriam sido muito piores.
Nas últimas décadas houve realmente uma enorme expansão no número de
matrículas na rede pública de ensino. Famílias de baixa renda que
anteriormente não matriculavam os seus filhos agora matriculam. Mas
talvez valha a pena se fazer a questão de porque esses pais estão
matriculando os seus filhos ou qual é a valoração da educação formal
para esses pais?
Ao longo desses meus 06 (seis) anos como Professor da Rede Estadual de
Ensino sempre fiz um esforço enorme para tentar convencer em vão aos
meus alunos que Educação é algo importante. Nunca tive êxito.
Após 06 (seis) anos de constante reflexão talvez tenha encontrado uma
pista da razão de nunca ter tido qualquer êxito. A conclusão a que
cheguei é que os meus alunos vivem na cultura do imediatismo, cultura
aprendida muito provavelmente com os seus pais. E essa cultura do
imediatismo é tão forte que chega a impedir uma comunicação
significativa e real entre professor e aluno. É como se professor e
aluno vivessem em universos completamente diferentes!
Muito provavelmente para os pais dos meus alunos qualquer coisa que
não seja relacionada a sobrevivência e a garantia do almoço de hoje e
de amanhã é inútil, irrelevante e desprezível. E educação formal é um
investimento de longuíssimo prazo. E aparentemente os alunos
incorporam essa visão dos próprios pais.
Nesse contexto podemos conjecturar as razões que levam os pais a
matricularem os seus filhos na escola mesmo se não a consideram
importante. Uma razão pode ser o medo de serem processados por
abandono intelectual. Outra seria verem a escola como uma “creche para
adolescentes” aonde esperam que seus filhos sejam vigiados e guardados
por um período do dia. E outra seria apenas para os filhos conseguirem
um diploma de nível médio para se aventurarem no mercado de trabalho
independente de aprenderem ou não algo em troca do diploma.
Esse desprezo da maioria dos alunos pela Educação, muito provavelmente
aprendida com os próprios pais, tem como consequências desde o baixo
aproveitamento escolar até mesmo a indisciplina e violência escolar. A
causa da indisciplina escolar não pode ser simplificada unicamente em
a escola “não ser atrativa” para o aluno. A grande maioria dos meus
alunos se sentem presos na escola. Eles preferiam estar em qualquer
outro lugar menos ali. Os professores hoje em dia, infelizmente, se
tornaram os “carcereiros” dos alunos que não queriam estar ali desde o
início.
Não estou de forma nenhuma através desta mensagem tentando fazer
qualquer tipo de denúncia ou tentando fazer qualquer análise
preconceituosa ou moralista. Estou tentando apenas fazer uma análise
criteriosa a partir das minhas experiências docentes. Quero se
possível, mesmo que em ínfima parte, dar minha humilde contribuição
para a visualização mais ampla do problema educacional brasileiro.
Como resolver essa situação? A solução definitiva para todos os nossos
problemas educacionais, policiais, sociais e políticos precisaria
passar por uma mudança completa na nossa ordem econômica vigente. Uma
nova economia justa e solidária, que não permitisse a absurda
concentração de renda que ocorre, deixando muito pouco para as classes
desfavorecidas.
Isso seria um passo necessário para tirar essas famílias menos
favorecidas da cultura do imediatismo para que elas começassem a
enxergar a Educação como uma real oportunidade de crescimento pessoal
e profissional. É necessário sim a visão sistêmica que todos os nossos
problemas estão inter-relacionados.
O MPPB, através de seu Planejamento Estratégico, e da atuação conjunta
de seus muitos órgãos, pode sim contribuir para uma sociedade mais
justa e que impeça os abusos do grande capital.
Mas enquanto essa nova ordem econômica não vêm o que pode ser feito de
paliativo? Na medida do possível tento convencer os meus colegas
professores que devem ver o Ministério Público e os Conselhos
Tutelares como aliados. Existe muitas vezes uma desconfiança por parte
de professores quanto ao MP e aos Conselhos Tutelares por várias
razões. Como vivemos em um país em que o professor não é respeitado
muitos professores, no passado, já passaram por situações em que a
própria Secretaria de Educação e políticos usurparam a autoridade e a
dignidade do professor. Existe o medo de muitos professores que o MP e
os Conselhos Tutelares possam fazer o mesmo. Sempre defendo e acredito
na boa vontade dos Promotores e dos Conselheiros Tutelares.
Entretanto, talvez, por mais boa vontade que os Promotores e
Conselheiros tenham pode faltar um maior conhecimento da realidade da
escola pública brasileira nos tempos de hoje. A realidade da escola
pública do passado não pode ser comparada com a realidade da escola
pública de hoje. A realidade da escola privada de hoje não pode ser
comparada com a realidade da escola pública de hoje.
Em Agosto de 2011, a Revista EDUCAÇÃO, lançou a matéria “A educação
nos tribunais”, que trata do belo trabalho de defesa do direito à
educação feito pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, mas
alerta que “há casos em que a pena do juiz não se afina com a
experiência pedagógica”. A íntegra da matéria pode ser vista no
endereço eletrônico
http://revistaeducacao.uol.
Considero necessário e salutar que haja uma aproximação e um diálogo
entre os professores (de escola pública) e os Promotores e
Conselheiros Tutelares. Mas para isso os professores precisam se
desarmar de sua desconfiança e o MP e os Conselhos Tutelares escutem
esses professores. O corporativismo da classe docente, que realmente
existe, não surgiu pelos professores serem “preguiçosos” ou qualquer
coisa do tipo, mas sim como uma forma de defesa contra o “massacre”
coletivo executado pela sociedade.
Eu falo aos meus colegas professores que o Ministério Público e os
Conselhos Tutelares têm um poder que as escolas não têm que é o de
intimar (autuar) os pais. Muitas escolas (nem todas) costumam convidar
os pais para reuniões, mas sempre são poucos pais que se fazem
presentes e entre os faltosos sempre estão os pais dos alunos mais
problemáticos. As direções das escolas poderiam começar a criar o
hábito de encaminharem ao Ministério Público e aos Conselhos Tutelares
a relação de pais faltosos nas reuniões escolares já que não se é
possível, por parte da escola, os obrigarmos a irem até a escola.
Seria o caso desses pais explicarem pessoalmente aos Promotores e
Conselheiros Tutelares porque não acham a educação formal dos seus
filhos algo importante. Seria também uma oportunidade do Ministério
Público e dos Conselhos Tutelares conhecerem melhor essa realidade da
cultura do imediatismo, que tem profunda motivação econômica.
Outra alternativa paliativa para se tentar conter a indisciplina,
vandalismo, roubos, furtos e violência nas escolas poderia ser a
implementação da Guarda Militar da Reserva em algumas escolas públicas
estaduais. A Guarda Militar da Reserva da Polícia Militar da Paraíba
foi criada pela Lei Estadual Nº 9.353, de 12 de Abril de 2011, tendo
sido publicada no Diário Oficial do Estado em 15/04/2011. A Patrulha
Escolar deve ser mantida, mas em vez de se somente contar com rondas
esporádicas realizadas pela Patrulha Escolar, a Guarda Militar da
Reserva estaria presente 24 horas na escola. As escolas municipais de
João Pessoa poderiam se utilizar da Guarda Municipal.
Polícia não é solução para nada! Assim como redução da maioridade
penal não é solução para a delinquência juvenil. Como dito antes todos
os nossos problemas estão inter-relacionados. Somente uma nova ordem
econômica diminuiria drasticamente todos os nossos problemas. Enquanto
isso todo o resto é apenas paliativo! Só que a maioria das pessoas em
vez de se aperceberem disso e reivindicarem uma nova ordem econômica
apelam por um estado mais policial estando dispostas até mesmo a
fazerem concessões de algumas liberdades individuais. O problema da
criminalidade e da delinquência juvenil não são consequência de uma
natureza humana imutável, mas sim resultantes de uma perversa ordem
econômica.
No mais faço votos de um futuro melhor para a educação brasileira.
Tomaz Passamani
Professor Efetivo de Física da SEE-PB
EEEFM Olivina Olívia Carneiro da Cunha